Luto perinatal: dor invisível exige acolhimento e assistência especializada Psicóloga do Mater Dei Santa Clara orienta sobre o impacto emocional da perda gestacional, como nos casos de Tati Machado e Micheli Machado, e destaca a importância do apoio profissional, familiar e institucional nesse processo. O luto perinatal ocorre a partir da perda de um bebê durante a gestação ou nos primeiros dias após o nascimento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), definem-se como perdas perinatais tanto os natimortos (óbitos fetais a partir de 22 semanas de gestação) quanto as mortes neonatais precoces (até sete dias de vida). No Brasil, a taxa de natimorto é de 6,98 óbitos por mil nascimentos. O papel das instituições de saúde é fundamental: protocolos de assistência humanizada, conforme preconizado pelo Portal de Boas Práticas da Fiocruz, recomendam comunicação clara e empática da equipe médica, ambiente reservado para acolhimento e oferta imediata de suporte em saúde mental. A capacitação continuada dos profissionais, incluindo treinamentos regulares sobre luto perinatal e aplicação de protocolos de boas práticas no atendimento, pode amenizar o impacto da notícia e prevenir complicações emocionais a longo prazo. Em Uberlândia, a Prefeitura sancionou, em 8 de maio de 2025, a Lei Municipal nº 14.392, que determina a obrigatoriedade de hospitais públicos e privados oferecerem alojamentos separados para mulheres que sofreram perda gestacional, óbito fetal ou neonatal. A medida tem como objetivo proporcionar um ambiente que respeite a privacidade e o bem-estar psicológico dessas pacientes, evitando que compartilhem espaços com mães que acabaram de dar à luz. De acordo com o Dr. Jefferson Batista de Paula Silva, coordenador da área de ginecologia e obstetrícia do Mater Dei Santa Clara, a unidade já atende a essas recomendações. Casos recentes, como da apresentadora Tati Machado e da atriz Micheli Machado, deram visibilidade ao tema. Mary Diniz, psicóloga clínica do Mater Dei Santa Clara, aponta que o luto perinatal envolve não apenas a ausência física do bebê, mas a perda de expectativas, sonhos e projetos relacionados à maternidade ou paternidade. “Cada pessoa vivencia essa perda de modo único”, afirma. Quando buscar ajuda profissional Mary recomenda atenção a sinais que indiquem necessidade de suporte especializado: Impacto na rotina: dificuldade para retomar atividades diárias, autocuidado ou cuidado de outros filhos; Isolamento social: afastamento prolongado de amigos, familiares e atividades de trabalho ou estudo; Sintomas depressivos ou ansiosos: desesperança persistente, insônia, alteração de apetite, ataques de pânico ou tristeza intensa. Modalidades de apoio Segunda a psicóloga, o apoio recomendado inclui psicoterapia para elaboração do luto e construção de estratégias de enfrentamento, avaliação psiquiátrica, em casos de sintomatologia intensa com possível indicação de medicação, participação em grupos de apoio que promovam o compartilhamento de experiências semelhantes e mobilização da rede familiar e de amigos, respeitando o ritmo de cada pessoa. Rituais de despedida Para muitos, a criação de rituais simbólicos — como a atribuição de nome ao bebê, a redação de cartas de despedida, cerimônias íntimas com ou sem cunho religioso, acendimento de velas ou plantio de árvores — contribui para validar a existência da criança e sinalizar o início do processo de elaboração da perda. O papel do hospital A forma de comunicação e o acolhimento institucional influenciam diretamente a experiência do luto. Protocolos de assistência humanizada devem incluir: Comunicação clara e empática da equipe médica; Disponibilidade imediata de suporte em saúde mental; Estruturas que garantam privacidade e conforto; Treinamentos regulares das equipes sobre cuidados em luto perinatal. A dor do pai Mary Diniz ressalta que o pai também enfrenta sentimentos próprios, muitas vezes invisibilizados. “Ele pode manifestar culpa, impotência e luto adiado”, explica. “É preciso evitar frases que reforcem o papel de homem forte e invalidem o sofrimento. O pai também perdeu um filho, ele não é coadjuvante no luto – é protagonista de uma dor própria”, lembra a psicóloga. Outras perdas no período perinatal Além das mortes fetais (natimortos) e neonatais, o luto perinatal abrange perdas recorrentes, perdas por malformação fetal, luto antecipatório após diagnóstico de condição incompatível com a vida e luto simbólico pela frustração de expectativas. “Romper o silêncio em torno dessa dor é um ato de humanização do cuidado e reconhecimento de que toda vida, ainda que breve, possui significado profundo”, reforça a profissional. Evitar frases que invalidam Expressões como “vão ter outros filhos” ou “foi a vontade de Deus” prejudicam o acolhimento. Em vez disso, recomenda-se a escuta silenciosa e acolhedora, com mensagens de presença, por exemplo: “Sinto muito pela sua perda. Estou aqui para ouvir você.” Importância do debate Mary afirma que falar sobre luto perinatal contribui para romper o silêncio em torno de uma experiência muitas vezes invisibilizada. “A humanização desse cuidado evita adoecimentos emocionais graves e reconhece o valor de cada vida, mesmo que breve”.
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